Algumas pessoas chegam até mim de um jeito comum, outras de um jeito estranho, e ainda há aquelas que procuram a mim, pois acreditam que eu sou alguma cura, ou algo assim. Mas todas quando por fim me encontram me odeiam, me xingam e fazem o maior escarcéu, mas é só o meu trabalho entende? Um trabalho nada comum, ou fácil, mas eu não posso fazer nada sobre isso.
Quando minha alma foi escolhida para esse trabalho eu não tive a chance de negar, eu nem tão pouco queria negar. Você já esteve no inferno? Já teve sua alma torturada? E não, todo o sofrimento de sua vida nem se comparam a tortura que sua alma sofre lá. Eles tiram sua humanidade, tudo que a de melhor em você e te causam feridas que te deixaram cicatrizes para o resto de sua existência, minhas cicatrizes provam isso. Ah, e para você que não sabe ainda quem eu sou, prazer, Morte.
No começo era difícil, ter que buscar as crianças, e aqueles que eu acreditava que não mereciam vir comigo tão cedo, era difícil ver as pessoas sofrendo e me odiando, mas com o passar dos séculos eu comecei a criar uma espécie de "imunidade" ao sofrimento humano e isso acabou me tornando mais forte, e poderosa. Eu pensava que toda minha humanidade havia sido tirada no inferno, mas volte e meia ela aparece e eu preciso me controlar para não acabar estragando todo o meu trabalho, minha humanidade me enfraquece.
Eu gosto de acompanhar a última semana de vida de cada um que devo buscar, claro que nem sempre posso acompanhar todos. Me pergunto se eles continuariam sendo tão estúpidos se soubessem que aqueles são seus últimos dias. Geralmente os doentes são os que mais se esforçam para aproveitar tudo ao máximo, mas como quase sempre estão presos a camas de hospitais e não podem fazer nada, a não ser ficar esperando por um milagre, pobres iludidos. Deus é preguiçosos demais, e geralmente acha mais fácil deixar as pessoas em minhas mãos no lugar de salva-las. Então eu fico com o trabalho sujo e ele com as orações, mas tudo bem, é meu trabalho não é mesmo? O fato é que as pessoas tem vidas comuns demais, e não se dão ao luxo de aproveita-las, ai então quando me encontram me enchem com as mesmas perguntas: "por que eu?" "mas por que tinha que ser agora? Eu era tão novo". Mas algumas estórias são digamos, interessantes, e se não se incomoda, vou contar algumas á você.
Foi durante a Segunda Guerra Mundial que coletei várias e várias almas, aliás, foi um dos períodos em quem mais tive trabalho. Se você estudou um pouco que seja de história sabe que os Nazistas possuíam vários campos de concentração, e foi num deles que encontrei Dalia, e ela foi uma das poucas pessoas que acompanhei por um longo tempo, me arrisco até em dizer que sentia algo por ela. Dalia tinha quase 17 anos quando foi levada pelos nazistas para o campo de concentração em Dachau, lá ela viveu aproximadamente 5 anos, até que eu por fim a levasse. Dalia deveria ter morrido logo na primeira semana em que chegou a Dachau, mas eu não consegui a levar, aliás eu não consegui a levar em todas vezes em que ela tentou.
Da primeira vez, ela cortou os pulsos, e mesmo que eu soubesse que ela não poderia me ver parecia que ela olhava para mim, e eu podia ver todo o sofrimento nos olhos delas, e de forma alguma eu poderia a deixar morrer daquele jeito, eu não poderia deixar que sua alma que parecia tão pura se estragasse no meio do inferno, então eu não a levei. Claro que isso trouxe consequências, mas estávamos em guerra e quase todos naquele lugar iriam morrer de um jeito ou de outro. Depois de alguns meses trabalhando naquele campo ela tentou outra vez, dessa vez ela iria se jogar da janela, mas mais uma vez ao olhar naqueles olhos eu não consegui a levar, e mais uma vez quebrei minha própria regra. E depois de um tempo ela tentou mais uma vez, mas eu não a levei, como deve imaginar.
Então no dia 24 de março de 1944, Dalia que já estava cansada de tudo aquilo cuspiu na cara de um dos soldados e foi levada para a execução. Aquela era uma cena que eu não queria ter visto, mas infelizmente, fui obrigada a ver. Quando ela se encontrou comigo passou suas finas mãos em meu rosto e disse: "Eu esperei anos para ver seu rosto, eu queria ver você desde o primeiro corte em meu pulso. Por que demorou tanto para me dar esse prazer?". Eu não disse nada, apenas peguei na mão dela e a entreguei a um dos meus ceifeiros que a levariam até as portas do céu. Dalia foi a primeira alma pela qual me apaixonei.
Depois do fim da guerra achei que as coisas iriam melhorar, ou ao menos voltar ao "normal", mas era só ilusão. Os suicídios se tornaram comuns e tive que ver mentes brilhantes se jogando ao abismo, como o matemático Alan Turing. Havia garotas morrendo por seus namorados, garotos morrendo porque eram gays, mães morrendo porque seus filhos não voltaram da guerra. Essa sem dúvidas foi a minha época mais sensível e mais fraca. Então, para recuperar minhas forças eu dei um "passeio" no purgatório e no inferno para visitar todas as almas que já levei até lá e me lembrar do porquê que não posso fraquejar. Depois disso tudo correu normal.
Uma outra história que gosto muito, aconteceu um pouco mais tarde, foi nos anos 90. Que tempos maravilhosos, cheio de cores, estilo e boa musica. Claro que o numero de overdose era grande, mas ainda sim, foram tempos maravilhosos, principalmente porque foi nesse tempo que conheci Cherry, a primeira e única alma com a qual pude me envolver de todos os jeitos possíveis.
Cherry, era uma garota comum, e um tanto estudiosa. Aos 20 anos descobriu que sofria de leucemia e na época não havia muito o que se fazer a não ser esperar por mim. Muitas vezes a vi segurar uma lâmina, ou sentar no parapeito da janela, mas ela nunca teve coragem, e então só ficava ali pensando, talvez pensando em mim. Mesmo que tentasse em segredo chegar até mim mais rápido, ela era alegre, e linda, muito linda, tinha quase certeza que eu não teria coragem de a levar, cogitei até mesmo na ideia de fazer com que Deus a curasse, mas visitar aquele velho levaria muito tempo, o tempo que Cherry não tinha. Então, eu apenas a acompanhei, por meses e meses.
Houve uma noite em que ela estava sentada no chão do seu quarto e segurava uma lâmina, e ela começou a sussurrar: "Sei que se fizer isso irei direto para o inferno, mas lá é tão ruim assim? Eu imagino que levar almas não seja um trabalho fácil, principalmente quando são almas tão jovens como a minha" ela deu uma pausa, respirou fundo e continuou "Afinal você é um homem ou uma mulher? Ou os dois? Você já amou alguém? Isso é tão óbvio, você é a morte, não tem o direito de sentir nada, muito menos de amar" eu realmente não tenho, mas eu gosto de quebrar regras, então ela guardou a lâmina e se deitou " Quando vier me buscar, ao menos me dê um beijo, tudo bem que não poderei me gabar disso para ninguém, mas ficaria feliz em saber que fui a primeira garota a dar um beijo na morte" . Depois que ela disse isso, eu me afastei dela, pois ela me enfraquecia.
Certo dia me encontrei com Lúcifer, ele estava me contando de sua últimas novidades e peripécias, contei sobre Cherry á ele, e ele foi direto "Dê uns pegas nela antes de a levar para seja lá onde, o que farão com você? Te matar?" . Por mais que aquilo fosse estranho, e de certa forma ilegal, eu queria fazer. Então algumas noites antes da morte de Cherry eu entrei em seu quarto e sussurrei em seu ouvido "você é a escolhida, você será a unica que terá a oportunidade de ficar com a morte, eu te vejo em alguns dias" , então a vi acordar assustada e sai dali.
Depois de exatos 3 dias, em 24 de abril de 1994, eu a encontrei. Ela primeiro estranhou tudo, e me fez as mesmas perguntas de sempre. Depois passou suas mãos pálidas em meu rosto e disse "Sou sua garota premiada afinal" e então me beijou, eu não me lembrava do quanto aquilo era bom, mesmo que fosse o beijo de dois seres completamente gélidos e pálidos era quente, não demorou muito para acabarmos na cama. Aquele era um prazer que eu havia me privado, e com isso tinha esquecido de como era bom. Infelizmente, durou apenas algumas horas, pois era contra todas as regras, e por mais que eu fosse a Morte, aquilo, aquele envolvimento tirava boa parte das minhas forças e me deixava vulnerável, então eu não poderia abusar. Deixei Cherry ir com um dos meus ceifeiros até a porta dos céus. E mais uma vez busquei me isolar um pouco para me recuperar, mas nunca esqueci o prazer de estar com ela.
Houveram várias almas pelas quais me apaixonei, mas creio que as de Dalia e Cherry foram as que mais mexeram comigo e mais me deixaram sem forças. Creio que se me deixasse levar mais um pouco pelo sentimento que senti por elas poderia ter acabado em péssimo estado. Eu não sei exatamente qual seria minha pena se alguém me pegasse, mas sei que poderia perder meu cargo e assim ser morta. Sim, até mesmo a Morte pode morrer. Enfim, espero que tenha gostado das minhas estórias, e que eu tenha oportunidade de te contar muitas mais, enquanto não chega sua hora. Eu preciso ir, te alguém por aí esperando por mim, nos vemos em breve.
Quando minha alma foi escolhida para esse trabalho eu não tive a chance de negar, eu nem tão pouco queria negar. Você já esteve no inferno? Já teve sua alma torturada? E não, todo o sofrimento de sua vida nem se comparam a tortura que sua alma sofre lá. Eles tiram sua humanidade, tudo que a de melhor em você e te causam feridas que te deixaram cicatrizes para o resto de sua existência, minhas cicatrizes provam isso. Ah, e para você que não sabe ainda quem eu sou, prazer, Morte.
No começo era difícil, ter que buscar as crianças, e aqueles que eu acreditava que não mereciam vir comigo tão cedo, era difícil ver as pessoas sofrendo e me odiando, mas com o passar dos séculos eu comecei a criar uma espécie de "imunidade" ao sofrimento humano e isso acabou me tornando mais forte, e poderosa. Eu pensava que toda minha humanidade havia sido tirada no inferno, mas volte e meia ela aparece e eu preciso me controlar para não acabar estragando todo o meu trabalho, minha humanidade me enfraquece.
Eu gosto de acompanhar a última semana de vida de cada um que devo buscar, claro que nem sempre posso acompanhar todos. Me pergunto se eles continuariam sendo tão estúpidos se soubessem que aqueles são seus últimos dias. Geralmente os doentes são os que mais se esforçam para aproveitar tudo ao máximo, mas como quase sempre estão presos a camas de hospitais e não podem fazer nada, a não ser ficar esperando por um milagre, pobres iludidos. Deus é preguiçosos demais, e geralmente acha mais fácil deixar as pessoas em minhas mãos no lugar de salva-las. Então eu fico com o trabalho sujo e ele com as orações, mas tudo bem, é meu trabalho não é mesmo? O fato é que as pessoas tem vidas comuns demais, e não se dão ao luxo de aproveita-las, ai então quando me encontram me enchem com as mesmas perguntas: "por que eu?" "mas por que tinha que ser agora? Eu era tão novo". Mas algumas estórias são digamos, interessantes, e se não se incomoda, vou contar algumas á você.
Foi durante a Segunda Guerra Mundial que coletei várias e várias almas, aliás, foi um dos períodos em quem mais tive trabalho. Se você estudou um pouco que seja de história sabe que os Nazistas possuíam vários campos de concentração, e foi num deles que encontrei Dalia, e ela foi uma das poucas pessoas que acompanhei por um longo tempo, me arrisco até em dizer que sentia algo por ela. Dalia tinha quase 17 anos quando foi levada pelos nazistas para o campo de concentração em Dachau, lá ela viveu aproximadamente 5 anos, até que eu por fim a levasse. Dalia deveria ter morrido logo na primeira semana em que chegou a Dachau, mas eu não consegui a levar, aliás eu não consegui a levar em todas vezes em que ela tentou.
Da primeira vez, ela cortou os pulsos, e mesmo que eu soubesse que ela não poderia me ver parecia que ela olhava para mim, e eu podia ver todo o sofrimento nos olhos delas, e de forma alguma eu poderia a deixar morrer daquele jeito, eu não poderia deixar que sua alma que parecia tão pura se estragasse no meio do inferno, então eu não a levei. Claro que isso trouxe consequências, mas estávamos em guerra e quase todos naquele lugar iriam morrer de um jeito ou de outro. Depois de alguns meses trabalhando naquele campo ela tentou outra vez, dessa vez ela iria se jogar da janela, mas mais uma vez ao olhar naqueles olhos eu não consegui a levar, e mais uma vez quebrei minha própria regra. E depois de um tempo ela tentou mais uma vez, mas eu não a levei, como deve imaginar.
Então no dia 24 de março de 1944, Dalia que já estava cansada de tudo aquilo cuspiu na cara de um dos soldados e foi levada para a execução. Aquela era uma cena que eu não queria ter visto, mas infelizmente, fui obrigada a ver. Quando ela se encontrou comigo passou suas finas mãos em meu rosto e disse: "Eu esperei anos para ver seu rosto, eu queria ver você desde o primeiro corte em meu pulso. Por que demorou tanto para me dar esse prazer?". Eu não disse nada, apenas peguei na mão dela e a entreguei a um dos meus ceifeiros que a levariam até as portas do céu. Dalia foi a primeira alma pela qual me apaixonei.
Depois do fim da guerra achei que as coisas iriam melhorar, ou ao menos voltar ao "normal", mas era só ilusão. Os suicídios se tornaram comuns e tive que ver mentes brilhantes se jogando ao abismo, como o matemático Alan Turing. Havia garotas morrendo por seus namorados, garotos morrendo porque eram gays, mães morrendo porque seus filhos não voltaram da guerra. Essa sem dúvidas foi a minha época mais sensível e mais fraca. Então, para recuperar minhas forças eu dei um "passeio" no purgatório e no inferno para visitar todas as almas que já levei até lá e me lembrar do porquê que não posso fraquejar. Depois disso tudo correu normal.
Uma outra história que gosto muito, aconteceu um pouco mais tarde, foi nos anos 90. Que tempos maravilhosos, cheio de cores, estilo e boa musica. Claro que o numero de overdose era grande, mas ainda sim, foram tempos maravilhosos, principalmente porque foi nesse tempo que conheci Cherry, a primeira e única alma com a qual pude me envolver de todos os jeitos possíveis.
Cherry, era uma garota comum, e um tanto estudiosa. Aos 20 anos descobriu que sofria de leucemia e na época não havia muito o que se fazer a não ser esperar por mim. Muitas vezes a vi segurar uma lâmina, ou sentar no parapeito da janela, mas ela nunca teve coragem, e então só ficava ali pensando, talvez pensando em mim. Mesmo que tentasse em segredo chegar até mim mais rápido, ela era alegre, e linda, muito linda, tinha quase certeza que eu não teria coragem de a levar, cogitei até mesmo na ideia de fazer com que Deus a curasse, mas visitar aquele velho levaria muito tempo, o tempo que Cherry não tinha. Então, eu apenas a acompanhei, por meses e meses.
Houve uma noite em que ela estava sentada no chão do seu quarto e segurava uma lâmina, e ela começou a sussurrar: "Sei que se fizer isso irei direto para o inferno, mas lá é tão ruim assim? Eu imagino que levar almas não seja um trabalho fácil, principalmente quando são almas tão jovens como a minha" ela deu uma pausa, respirou fundo e continuou "Afinal você é um homem ou uma mulher? Ou os dois? Você já amou alguém? Isso é tão óbvio, você é a morte, não tem o direito de sentir nada, muito menos de amar" eu realmente não tenho, mas eu gosto de quebrar regras, então ela guardou a lâmina e se deitou " Quando vier me buscar, ao menos me dê um beijo, tudo bem que não poderei me gabar disso para ninguém, mas ficaria feliz em saber que fui a primeira garota a dar um beijo na morte" . Depois que ela disse isso, eu me afastei dela, pois ela me enfraquecia.
Certo dia me encontrei com Lúcifer, ele estava me contando de sua últimas novidades e peripécias, contei sobre Cherry á ele, e ele foi direto "Dê uns pegas nela antes de a levar para seja lá onde, o que farão com você? Te matar?" . Por mais que aquilo fosse estranho, e de certa forma ilegal, eu queria fazer. Então algumas noites antes da morte de Cherry eu entrei em seu quarto e sussurrei em seu ouvido "você é a escolhida, você será a unica que terá a oportunidade de ficar com a morte, eu te vejo em alguns dias" , então a vi acordar assustada e sai dali.
Depois de exatos 3 dias, em 24 de abril de 1994, eu a encontrei. Ela primeiro estranhou tudo, e me fez as mesmas perguntas de sempre. Depois passou suas mãos pálidas em meu rosto e disse "Sou sua garota premiada afinal" e então me beijou, eu não me lembrava do quanto aquilo era bom, mesmo que fosse o beijo de dois seres completamente gélidos e pálidos era quente, não demorou muito para acabarmos na cama. Aquele era um prazer que eu havia me privado, e com isso tinha esquecido de como era bom. Infelizmente, durou apenas algumas horas, pois era contra todas as regras, e por mais que eu fosse a Morte, aquilo, aquele envolvimento tirava boa parte das minhas forças e me deixava vulnerável, então eu não poderia abusar. Deixei Cherry ir com um dos meus ceifeiros até a porta dos céus. E mais uma vez busquei me isolar um pouco para me recuperar, mas nunca esqueci o prazer de estar com ela.
Houveram várias almas pelas quais me apaixonei, mas creio que as de Dalia e Cherry foram as que mais mexeram comigo e mais me deixaram sem forças. Creio que se me deixasse levar mais um pouco pelo sentimento que senti por elas poderia ter acabado em péssimo estado. Eu não sei exatamente qual seria minha pena se alguém me pegasse, mas sei que poderia perder meu cargo e assim ser morta. Sim, até mesmo a Morte pode morrer. Enfim, espero que tenha gostado das minhas estórias, e que eu tenha oportunidade de te contar muitas mais, enquanto não chega sua hora. Eu preciso ir, te alguém por aí esperando por mim, nos vemos em breve.
C. M. De Lima
~Abbadon